sábado, 16 de março de 2019

Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire - Capítulo 1


Pedagogia do Oprimido
PRIMEIRAS PALAVRAS


PRIMEIRAS PALAVRAS
AOS ESFARRAPADOS DO MUNDO E AOS QUE NELES SE DESCOBREM E, ASSIM DESCOBRINDO-SE, COM ELES SOFREM, MAS, SOBRETUDO, COM ELES LUTAM.
"[...]que seja este, [...] um trabalho para homens radicais."
"[...] A radicalização [...]é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta. [...]a radicalização é crítica, por isto libertadora. Libertadora porque, implicando no enraizamento que os homens fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformação da realidade concreta, objetiva." (p. 25)
O [...]"radical, num processo de libertação, não pode ficar passivo diante da violência do dominador." (p. 26)
"O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender em ‘círculos de segurança’, nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la."

"Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar." (p. 27)

Capítulo 1. Justificativa da «pedagogia do oprimido»

                 Os homens descobrem que sabem pouco de si, e se propõe a si mesmos como problema. O problema de sua humanização. (p.29)

A desumanização é uma realidade histórica. 
“ É[...] a partir desta dolorosa constatação, que os homens se perguntam sobre a outra viabilidade – a de sua humanização. [...] Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão."
A humanização é a vocação dos homens, enquanto que a desumanização "[...] é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação histórica."
A luta pela humanização só é possível, apesar da desumanização ser um fato concreto na história, por que a humanização não é um "[...] destino dado, mas resultado de uma 'ordem' injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos." (grifo do autor. p.30)

A CONTRADIÇÃO OPRESSORES-OPRIMIDOS. SUA SUPERAÇÃO


"E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores." (p. 30)

"Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua ‘generosidade’ continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça. A ‘ordem’ social injusta é a fonte geradora, permanente, desta ‘generosidade’ que se nutre da morte, do desalento e da miséria." (p. 31)

A Pedagogia do Oprimido é "[...] aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade." (grifo do autor. p. 32)

"A pedagogia do oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta descoberta crítica – a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como manifestações da desumanização."

"[...] É que, quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou subopressores."
"Isto decorre [... ] do fato de que, em certo momento de sua experiência existencial, os oprimidos assumam uma postura que chamamos de ‘aderência’ ao opressor (p. 32)."

Os oprimidos se sabem oprimidos, porém "o seu conhecimento de si mesmos, como oprimidos, se encontra, contudo, prejudicado pela ‘imersão’ em que se acham na realidade opressora. ‘Reconhecer-se’ a este nível, contrários ao outro, não significa ainda lutar pela superação da contradição. Daí esta quase aberração: um dos pólos da contradição pretendendo não a libertação, mas a identificação com o seu contrário (p. 32-33)."

"O ‘homem novo’, em tal caso, para os oprimidos, não é o homem a nascer da superação da contradição, com a transformação da velha situação concreta opressora, que cede seu lugar a uma nova, de libertação. Para eles, o novo homem são eles mesmos, tornando-se opressores de outros. A sua visão do homem novo é uma visão individualista. A sua aderência ao opressor não lhes possibilita a consciência de si como pessoa, nem a consciência de classe oprimida.(p.33)"

Outro aspecto em relação ao oprimido é o medo da liberdade " que tanto pode conduzi- los a pretender ser opressores também, quanto pode mantê-los atados ao status de oprimidos [...]. (p.33)"

"Os oprimidos, que introjetam a ‘sombra’ dos opressores e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em que esta, implicando na expulsão desta sombra, exigiria deles que ‘preenchessem’ o ‘vazio’ deixado pela expulsão, com outro ‘conteúdo’ – o de sua autonomia. O de sua responsabilidade, sem o que não seriam livres. (p.34)"

"Sofrem uma dualidade que se instala na ‘interioridade’ do seu ser. Descobrem que, não sendo livres, não chegam a ser autenticamente. Querem ser, mas temem ser. São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetado neles, como consciência opressora. Sua luta se trava entre serem eles mesmos ou serem duplos. Entre expulsarem ou não ao opressor de ‘dentro’ de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados. Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem espectadores ou atores. Entre atuarem ou terem a ilusão de que atuam, na atuação dos opressores. Entre dizerem a palavra ou não terem voz, castrados no seu poder de criar e recriar, no seu poder de transformar o mundo.
Este é o trágico dilema dos oprimidos, que a sua pedagogia tem de enfrentar. (p. 35)"

A superação da contradição opressores-oprimidos "traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se (p. 35)."

"O mesmo se pode dizer ou afirmar com relação ao opressor, tomado individualmente, como pessoa. Descobrir-se na posição de opressor, mesmo que sofra por este fato, não é ainda solidarizar-se com os oprimidos. Solidarizar-se com estes é algo mais que prestar assistência a trinta ou a cem, mantendo-os atados, contudo, à mesma posição de dependência. Solidarizar-se não é ter a consciência de que explora e ‘racionalizar’ sua culpa paternalistamente. A solidariedade, exigindo de quem se solidariza, que ‘assuma’ a situação de com quem se solidarizou, é uma atitude radical (p.36)."

"Dai, esta exigência radical, tanto para o opressor que se descobre opressor; quanto para os oprimidos que, reconhecendo-se contradição daquele, desvelam o mundo da opressão e percebem os mitos que o alimentam – a radical exigência da transformação da situação concreta que gera a opressão."
"A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na ‘invasão da práxis, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens (p. 37)."

"A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos. Desta forma, esta superação exige a inserção crítica dos oprimidos na realidade opressora, com que, objetivando-a, simultaneamente atuam sobre ela (p. 38).

"Quanto mais as massas populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual elas devem incidir sua ação transformadora, tanto mais se ‘inserem’ nela criticamente (p. 40).

A Pedagogia do Oprimido tem que ter o próprio oprimido, que se sabe oprimido, como um de seus sujeitos.
"A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do Homem. Somente ela, que se anima de generosidade autêntica, humanista e não “humanitarista”, pode alcançar este objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão. É instrumento de desumanização."
"Esta é a razão pela qual, como já afirmamos, esta pedagogia não pode ser elaborada nem praticada pelos opressores. (p. 41)"
"Se, porém, a prática desta educação implica no poder político e se os oprimidos não o têm, como então realizar a pedagogia do oprimido antes da revolução?"

"A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá, dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação (p.41)."

1º Momento: "estamos em face do problema da consciência oprimida e da consciência opressora; dos homens opressores e dos homens oprimidos, em uma situação concreta de opressão."
"[...] estabelecida a relação opressora, esteja inaugurada a violência, que jamais foi até hoje, na história, deflagrada pelos oprimidos. (p.42)"

"Para os opressores, porém, na hipocrisia de sua ‘generosidade’, são sempre os oprimidos [...] os que desamam. São sempre eles os ‘violentos’, os ‘bárbaros’ os ‘malvados’, os ‘ferozes’, quando reagem à, violência dos opressores."

"Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão."
"Por isto é que, somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores. Estes, enquanto classe que oprime, nem libertam, nem se libertam."

"O importante, por isto mesmo, é que a luta dos oprimidos se faça para superar a contradição em que se acham. Que esta superação seja o surgimento do homem novo – não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se. Precisamente porque, se sua luta é no sentido de fazer-se Homem, que estavam sendo proibidos de ser, não o conseguirão se apenas invertem as termos da contradição. Isto é, se apenas mudam de lugar, nos pólos da contradição (p. 43)."

A SITUAÇÃO CONCRETA DE OPRESSÃO E OS OPRESSORES

"[...] quando a superação da contradição se faça em termos autênticos, com a instalação de uma nova situação concreta, de uma nova realidade inaugurada pelos oprimidos que se libertam, é que os opressores de ontem não se reconheçam em libertação. Pelo contrário, vão sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos. É que, para eles, ‘formados’ na experiência de opressores, tudo o que não seja o seu direito antigo de oprimir, significa opressão a eles." (p. 44-45).

"É que, para eles, pessoa humana são apenas eles. Os outros, estes são ‘coisas’. Para eles, há um só direito – o seu direito de viverem em paz, ante o direito de sobreviverem, que talvez nem sequer reconheçam, mas somente admitam aos oprimidos. E isto ainda, porque, afinal, é preciso que os oprimidos existam, para que eles existam e sejam ‘generosos’ [...] (p. 45)

"Em verdade, instaurada uma situação de violência, de opressão, ela gera toda uma forma de ser e comportar-se nos que estão envolvidos nela. Nos opressores e nos oprimidos. Uns e outros, porque concretamente banhados nesta situação, refletem a opressão que os marca." (p. 45).

Os opressores, imersos nessa consciência possessiva do mundo e dos homens, não conseguem entender a si nem reconhecer-se fora desse contexto de posse direta. "A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando."
"Por isto é que, para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser, para eles, é ter e ter como classe que tem.
Não pedem perceber, na situação opressora em que estão, como usufrutuários, que, se ter é condição para ser, esta é uma condição necessária a todos os homens. Não podem perceber que, na busca egoísta do ter como classe que tem, se afogam na posse e já não são. Já não podem ser." (p. 45-46)

"Por isto tudo é que a humanização é uma ‘coisa’ que possuem como direito exclusivo, como atributo herdado. A humanização é apenas sua. A dos outros, dos seus contrários, se apresenta como subversão. Humanizar é, naturalmente, segundo seu ponto de vista, subverter, e não ser mais."
"Ter mais, na exclusividade, não é um privilégio desumanizante e inautêntico dos demais e de si mesmos, mas um direito intocável. Direito que ‘conquistaram com seu esforço, com sua coragem de correr risco’... Se os outros – ‘esses invejosos’ – não têm, é porque são incapazes e preguiçosos a que juntam ainda um injustificável mal-agradecimento a seus ‘gestos generosos’. E, porque ‘mal-agradecidas e invejosos’, são sempre vistos os oprimidos como seus inimigos potenciais a quem têm de observar e vigiar."
"Não poderia deixar de ser assim. Se a humanização dos oprimidos é subversão, sua liberdade também o é. Daí a necessidade de seu constante controle. E, quanto mais controlam os oprimidos, mais os transformam em ‘coisa’, em algo que é como se fosse inanimado." (p.46)

"Na medida em que, para dominar, se esforçam por deter a ânsia de busca, a inquietação, o poder de criar, que caracterizam a vida, os opressores matam a vida."
"Daí que vão se apropriando, cada vez mais, da ciência também, como instrumento para suas finalidades. Da tecnologia, que usam como força indiscutível de manutenção da ‘ordem’ opressora, com a qual manipulam e esmagam."
"Os oprimidos, como objetos, como quase ‘coisas’, não têm finalidades. As suas, são as finalidades que lhes prescrevem os opressores." (p.47)

Problema: a passagem de alguns representantes do polo opressor ao polo do oprimido. [...] quase sempre levam consigo, condicionados pela ‘cultura do silêncio’, toda a marca de sua origem. Seus preconceitos. Suas deformações, entre estas, a desconfiança do povo. Desconfiança de que o povo seja capaz de pensar certo. De querer. De saber." (p.47)

"[...] que devem ser eles os fazedores da transformação."
"Comportam-se, assim, como quem não crê no povo, ainda que nele falem. E crer no povo é a condição prévia, indispensável, à mudança revolucionária. Uma revolucionária se reconhece mais por esta crença no povo, que o engaja, do que por mil ações sem ela."
"Fazer esta adesão e considerar-se proprietário do saber revolucionário, que deve, desta maneira, ser doado ou imposto ao povo, é manter-se como era antes."
"Dizer-se comprometido com a libertação e não ser capaz de comungar com o povo, a quem continua considerando absolutamente ignorante, é um doloroso equívoco." (p. 48)

A SITUAÇÃO CONCRETA DE OPRESSÃO E OS OPRIMIDOS

"Será na sua convivência com os oprimidos, sabendo também um deles – somente a um nível diferente de percepção da realidade – que poderão compreender as formas de ser e comportar-se dos oprimidos, que refletem, em momentos diversos, a estrutura da dominação." (p.48)

Os oprimidos, "[...] 'hospedando' o opressor cuja 'sombra' eles 'introjetam', são eles e ao mesmo tempo são o outro." Sem localizar o opressor e sem ter consciência de si, assumem "atitudes fatalistas em face da situação concreta de opressão em que estão." (p. 48-49)

Assumem um fatalismo que:
- dá a impressão de docilidade;
- é fruto de uma situação histórica e sociológica;
- não é um traço essencial da forma de ser do povo.;
- oprimidos dão à Deus ou ao destino a culpa da situação em que estão;

Também, muitas vezes agridem os próprios companheiros, pois não conseguem divisar claramente "a 'ordem' que serve aos opressores que, de certa forma, 'vivem' neles. [...] Ao agredirem seus companheiros oprimidos estarão agredindo neles, indiretamente, o opressor também ‘hospedado’ neles e nos outras. Agridem, como opressores, o opressor nos oprimidos." (p.  49)

" Há, por outro lado, em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos oprimidos de 'classe média', cujo anseio é serem iguais ao 'homem ilustre' da chamada classe 'superior'." (p. 49)

"A autodesvalia é outra característica dos oprimidos. Resulta da introjeção que fazem eles da visão que deles têm os opressores."
" De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer de sua 'incapacidade'. Falam de si como os que não sabem e do 'doutor' como o que sabe e a quem devem escutar. Os critérios de saber que lhe são impostos são os convencionais." (p. 50)

"É impressionante, contudo, observar como, com as primeiras alterações numa situação opressora, se verifica uma transformação nesta autodesvalia. Escutamos, certa vez, um líder camponês dizer, em reunião, numa das unidades de produção (asentamiento) da experiência chilena de reforma agrária: 'Diziam de nós que não produzíamos porque éramos borrachos, preguiçosos. Tudo mentira. Agora, que estamos sendo respeitados como homens, vamos mostrar a todos que nunca fomos borrachos, nem preguiçosos. Éramos explorados, isto sim', concluiu enfático." ( grifo do autor, p. 50-51)

"Enquanto se encontra nítida sua ambigüidade, os oprimidos dificilmente lutam, nem sequer confiam em si mesmos. Têm uma crença difusa, mágica, na invulnerabilidade do opressor. No seu poder de que sempre dá testemunho."

"Até o momento em que os oprimidos não tornem consciência das razões de seu estado de Opressão 'aceitam' fatalistamente a sua exploração. Mais ainda, provavelmente assumam posições passivas, alheadas, com relação à necessidade de sua própria luta pela conquista da liberdade e de sua afirmação no mundo. Nisto reside sua 'conivência' com o regime opressor (p. 51)."

"Dentro desta visão inautêntica de si e do mundo os oprimidos se sentem como se fossem uma quase 'coisa' possuída pelo opressor. Enquanto, no seu afã de possuir, para este, como afirmamos, ser é ter à custa quase sempre dos que não têm, para os oprimidos, num momento da sua experiência existencial, ser nem sequer é ainda parecer com o opressor, mas é estar sob ele. É depender. Daí que os oprimidos sejam dependentes emocionais." (grifo do autor, p. 51-52).

NINGUÉM LIBERTA NINGUÉM, NINGUÉM SE LIBERTA SOZINHO:OS HOMENS SE LIBERTAM EM COMUNHÃO

"Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua 'conivência' com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental, é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis."(p. 52)

"O diálogo crítico e libertador[...] tem de ser feito com os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja a luta por sua libertação[...]."
"O que pode e deve variar [...]é o conteúdo do diálogo. Substituí-lo pelo anti-diálogo, pela sloganização, pela verticalidade, pelos comunicados é pretender a libertarão dos oprimidos com instrumentos da 'domesticação'. Pretender a libertação deles sem a sua reflexão no ato desta libertação é [...]fazê-los cair no engodo populista e transformá-los em massa de manobra."
"Os oprimidos [...] precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica de ser mais. A reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende, errôneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do homem."
"[...] a reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática." (p. 52)

"A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, 'ação cultural' para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor. Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência."
"A ação libertadora, pelo contrário, reconhecendo esta dependência dos oprimidos como ponto vulnerável, deve tentar, através da reflexão e da ação, transformá-la em independência. Esta, porém, não é doação que uma liderança, por mais bem intencionada que seja, lhes faça. Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não de ‘coisas’. Por isto, se não é autolibertação – ninguém se liberta sozinho, também não é libertação de uns feita por outros." (p. 53)
“Precisamos estar convencidos de que o convencimento dos oprimidos de que devem lutar por sua libertação não é doação que lhes faça a liderança revolucionária, mas resultado de sua conscientização.”
“Foi a sua inserção lúcida na realidade, na situação histórica, que a levou à crítica desta mesma situação e ao ímpeto de transformá-la”
“[...] é necessário que os oprimidos, que não se engajam na luta sem estar convencidos e, se não se engajam, retiram as condições para ela, cheguem, como sujeitos, e não como objetos, a este convencimento. É preciso que também se insiram criticamente na situação em que se encontram e de que se acham marcados. E isto a propaganda não faz. Se este convencimento, sem o qual, repitamos, não é possível a luta, é indispensável à liderança revolucionária, que se constitui a partir dele, o é também aos oprimidos. A não ser que se pretenda fazer para eles a transformação e não com eles – somente como nos parece verdadeira esta transformação." (grifo do autor, p. 54)

Caráter pedagógico da revolução:
“Desde o começo mesmo da luta pela humanização, pela superação da contradição opressor-oprimidos, é preciso que eles se convençam de que esta luta exige deles, a partir do momento em que a aceitam, a sua responsabilidade total.”
“É como homens que os oprimidos têm de lutar e não como ‘coisas’." (p. 55)

“Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica permanente." (p. 55-56)

“Prática pedagógica em que o método deixa de ser [...] instrumento do educador (no caso, a liderança revolucionária), com o qual manipula os educandos (no caso, os oprimidos) porque é já a própria consciência.”
“O método é, na verdade (diz o professor Álvaro Vieira Pinto), a forma exterior e materializada em atos, que assume a propriedade fundamental da consciência: a sua intencionalidade.”
“Porque assim é, a educação a ser praticada pela liderança revolucionária se faz co-intencionalidade.”

Educador e educandos (liderança e massas), co-intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de re-criar este conhecimento.”

“Deste modo, a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que pseudo-participação, é o que deve ser: engajamento.” (p. 56)

por: Ester Rohr



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